O brilho resiste
A mais importante das cidades históricas mineiras, ela ainda exibe o fausto do passado
BRASIL, Ouro Preto - MG
Autor: Walterson Sardenberg Sº
Foto: Ouro Preto (Foto: iStock)
01/02/2021
Antes, um aviso. Andar pelas ladeiras de Ouro Preto, calçadas com pedras irregulares, pode ser uma saia-justa. Em particular, para quem estiver vestindo uma. Deve-se dar preferência às calças confortáveis e aos sapatos sem salto. Fora isso, não há muito a recomendar em termos práticos. Só o que ver. E não falta o que ver.
As igrejas, construídas em estilo barroco tardio, podem ser o começo, claro. Representam com mais brilho (ao pé da letra) o fausto de uma época. Há doze delas, além das nove capelas. Resultam do período de súbita riqueza desta região de Minas Gerais, iniciado em 1698, quando os bandeirantes encontraram ouro quase por acaso. Não foi difícil voltar ao eldorado. Eles usaram por referência o Pico do Itacolomi. De fato, parece esculpido a mão, à guisa de indicador de caminho.
Ao longo de sete décadas foram extraídas mil toneladas de ouro e 3 milhões de quilates em diamantes. A maior parte da riqueza seguiu para Lisboa e, de lá, para Londres, pois Portugal vivia entregando o ouro aos ingleses. Os veios se esgotaram em 1770. Ainda assim, sobrou ouro para reluzir a então chamada – com toda a razão – Vila Rica.
Vila Rica foi importantíssima para o início da integração nacional. Por volta de 1740, auge da mineração, chegou a ter 35 mil moradores. Por causa dela, o Rio de Janeiro cresceu para escoar a produção. Já o Nordeste fornecia a mão-de-obra escrava, enquanto a economia do Rio Grande do Sul fortaleceu-se como provedora de mulas. “Até então, o Brasil era um arquipélago de implantes coloniais, ilhados e isolados uns dos outros, por distâncias de milhares de quilômetros”, escreveu o antropólogo Darcy Ribeiro. “Agora se criava uma rede de intercâmbio comercial que teria enorme importância no futuro, porque dava uma base econômica à unidade nacional.”
Assim como a topografia de suas íngremes ladeiras, Vila Rica passou por altos e baixos. O fim do ciclo do ouro lhe foi fatal, assim como a frustração da Inconfidência. Houve, é bem verdade, uma retomada em 1823, quando se viu transformada em capital de Minas Gerais. Seu nome oficial, pomposo, passou a ser Imperial Cidade de Ouro Preto. Já na dobrada para o século 20, no entanto, perdeu a posição para a recém-inaugurada Belo Horizonte. Começava outro esticado período de decadência.
Assim como a topografia de suas íngremes ladeiras, Vila Rica passou por altos e baixos. O fim do ciclo do ouro lhe foi fatal, assim como a frustração da Inconfidência. Houve, é bem verdade, uma retomada em 1823, quando se viu transformada em capital de Minas Gerais. Seu nome oficial, pomposo, passou a ser Imperial Cidade de Ouro Preto. Já na dobrada para o século 20, no entanto, perdeu a posição para a recém-inaugurada Belo Horizonte. Começava outro esticado período de decadência.
Ao longo de décadas, Ouro Preto viveu de um turismo sem luxo nem organização. Havia também as faculdades de farmácia e mineralogia – e os muitos poemas em seu louvor, de Manuel Bandeira a Carlos Drummond de Andrade. Sua salvação, seja como for, só ocorreu em 1969, quando ganhou uma universidade federal. Era o mote para se transformar no que é hoje: uma cidade com arquitetura colonial e espírito jovem.
Os estudantes representam um décimo dos 70 mil moradores. Podem ser vistos nos animados barzinhos da Rua Conde de Bobadela, mais conhecida por Rua Direita. Costumam também dar festas nas repúblicas de estudantes. Algumas são tradicionalíssimas como a Hospício, fundada há mais de sete décadas. É curioso que se divida em tantas repúblicas a cidade que primeiro sonhou com a República – com maiúscula.
A Igreja de Nossa Senhora do Pilar, por exemplo, tem as paredes internas revestidas de 300 quilos de ouro. Entende-se por que o futuro reservaria à palavra barroco um segundo sentido: o de exagero.
A igreja de São Francisco de Assis é outra visita envolvente. No teto interno cintila a figura de um anjo mestiço. A imagem foi pintada por mestre Manoel da Costa Ataíde em homenagem a um certo Antônio Francisco Lisboa. Talvez você não ligue o nome à pessoa. Afinal, Lisboa tornou-se mais conhecido por Aleijadinho, em virtude da doença degenerativa então conhecida por zamparina – que lhe deformou os dedos das mãos e dos pés.
Arquiteto, escultor e decorador, foi o artista maior do período. Reinventou o barroco mineiro na Igreja de São Francisco de Assis. Cerca de 250 peças sacras do artista podem ser vistas no museu do Aleijadinho. Incluindo uma de suas obras-primas: a imagem de São Francisco de Paula, com a cabeça esculpida em pedra-sabão.
Dois outros museus merecem a visita. O museu do Oratório é o único no gênero. Não só no Brasil – mas no mundo. O museu da Inconfidência, por sua vez, foi instalado no solar que abrigara a Câmara e a cadeia. Quem lhe deu impulso foi Getúlio Vargas. Tinha motivos até pessoais para isso: estudou em Ouro Preto ainda no século 19. Entre outras peças, o local exibe a madeira da forca de Tiradentes. Também está aqui o relógio de bolso do homem que ousou fazer a hora da independência. Quem o adquiriu e doou ao museu foi mais um mineiro cheio de pressa: Juscelino Kubitschek.
Outra das relíquias da cidade é o teatro Municipal. Foi inaugurado em 1770. É o mais antigo das Américas em funcionamento. Ainda estão de pé, também, as casas dos poetas inconfidentes Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Este último escrevia poemas para Maria Dorotéia de Seixas, a quem chamava, nas poesias, de Marília. Tomás não conseguiu se casar com seu grande amor. Foi degredado antes. Casou-se na África com outra mulher e foi pai de quatro filhos. Marília morreu solteira, aos 86 anos.
História ainda mais interessante é a de Chico Rei, dono da mina de ouro que leva o seu nome. Era nobre no Congo, na África. Trazido como escravo, comprou a própria alforria, a da mulher e a do filho. Enfim livre, encontrou uma mina de ouro. Com a renda da extração, comprou mais de 300 cartas de alforria. Os escravos libertados passaram, por conta própria, a se dizerem seus súditos. Ainda mais surpreendente: a mina de Chico Rei só foi reencontrada em 1946. Achou-a um garoto de nove anos, Geovani de Lima, no quintal do casarão para onde acabara de se mudar com a família.
Pegue seu Mitsubishi 4x4 e tome o rumo de Mariana, a apenas dez minutos de carro. Ali existe outro lugar que merece ser visitado. A impressionante Mina da Passagem é considerada uma das maiores do planeta, no gênero. Aberta no início do século 18, tem 30 quilômetros de túneis e desce a 120 metros de profundidade. Ao longo dos séculos, dela foram retiradas 35 toneladas de ouro.
Vale contar que o Pico do Itacolomi, com seus 1.772 metros de altitude, ainda é um indicador de caminhos, como foi para os bandeirantes. Ao menos para os apreciadores de trekking. Ele fica dentro do Parque Estadual do Itacolomi e pode ser alcançado numa caminhada de 14 quilômetros, ida e volta. É um trekking leve, sem subidas íngremes. Tão suave que é liberado para crianças acima dos 10 anos, desde que acompanhadas por um guia local. Do alto, em dias claros, pode-se observar Ouro Preto, Mariana, Lavras Novas e Cachoeira do Campo.
Voltando às recomendações práticas: o centro de Ouro Preto, onde está a maioria das atrações, é para ser percorrido a pé – sem salto nem saia justa. Mas você certamente irá se divertir com o seu Mitsubishi 4x4 rodando pelas inúmeras estradinhas vicinais de terra pelas redondezas. Elas garantem inesquecíveis passeios off-road. Lembre-se que a cidade foi o início da integração nacional.
Não faltam, portanto, trilhas de todo tipo – prato cheio para quem encara todo terreno, como o seu Mitsubishi. Uma das mais belas é o Caminho Velho da Estrada Real (termina em Paraty, RJ). Outra, apenas para motoristas experientes, é a Ouro Preto-Lavras.
Quanto aos restaurantes, o Bené da Flauta está entre os melhores. Faz releituras da cozinha mineira. Fica ao lado da Igreja de São Francisco, em um bonito casarão do século 18, muito bem restaurado. Para a genuína cozinha mineira, vá à Casa do Ouvidor. Já O Passo serve cozinha italiana, em um ambiente espaçoso e agradável.
Igreja de Nossa Senhora do Pilar – Praça Monsenhor Castilho Barbosa, 17, Pilar, (31) 3551-4735.
Igreja de São Francisco de Assis – Largo de Coimbra, s/n, Centro
Museu do Aleijadinho – Praça de Antônio Dias, 18, (31) 3551-466.
Museu do Oratório – Adro da Igreja do Carmo, 28, (31) 3551-5369, museudooratorio.org.br.
Museu da Inconfidência – Praça Tiradentes, 139, Centro Histórico, (31) 3551-1121, museudaincondidencia.museus.gov.br.
Teatro Municipal – Rua Brigadeiro Musqueira, 128, Centro, (31) 3559-3224.
Mina do Chico Rei – Rua Dom Silvério, 108, Antônio Dias, (31) 3551-1749.
Mina da Passagem – Rua Eugenio E. Rapallo, 192, Mariana, (31) 3557-5000, mariana.minasdapassagem.com.br.
Solar Nossa Senhora do Rosário (hotelsolardorosario.com.br). O Hotel Solar do Rosário é um casarão, datado do século XIX, que foi reformado e reestruturado, para receber hóspedes com conforto, sofisticação, elegância e a tradição da arquitetura colonial. Suas acomodações são preparadas para oferecer uma grande experiência de hospedagem e a oportunidade de viver a história de Ouro Preto.
Pousada Villa Mineira, que possui o Selo Circuito Elegante – SCE e ao se hospedar você terá welcome drink, atendimento personalizado e mimos exclusivos. Essa linda pousada está localizada em Lavras Novas, distrito de Ouro Preto. Um lugar lindo, com muitas trilhas 4x4, cachoeiras e comida mineira na boca do fogão à lenha.
Bené da Flauta, Rua São Francisco, 32, tel. (31) 3551-1036, benedaflauta.com.br.
Casa do Ouvidor, rua Conde de Bobadela, 42, (31) 3551-214.
O Passo, rua São José, 56, (31) 3552-5089, opassopizzajazz.com.br.
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