Nas terras do rei café
Muito sossego e verde naquela que já foi a mais rica região do estado de São Paulo
BRASIL, Serra da Bocaina-SP
Autor: Walterson Sardenberg Sº
Foto: Serra da Bocaina (Foto: iStock)
02/02/2021
Um paraíso da vida selvagem entre São Paulo e o Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país, a Serra da Bocaina tem entrada pela via Dutra, na cidade de Queluz. É habitada por bugios, cutias, porcos queixadas, lontras, veados, capivaras, esquilos, cachorros-do-mato e até onças, que perambulam pelo Parque Nacional do mesmo nome, instituído em 1971. Trata-se da maior área contínua de Mata Atlântica. São nada menos que 100 mil hectares, o equivalente a dois terços da cidade de São Paulo. Ali estão cachoeiras com mais de 300 metros de queda e montanhas como o Pico da Bacia, com o cume a 2.077 metros. Uma maravilha ainda desconhecida para você passear com seu Mitsubishi 4x4.
Não é de hoje que a região caiu no esquecimento. A rigor, ele teve início no final do século 19 quando suas fazendas de café entraram em brutal decadência. Já em 1878, as terras, vitimadas pela erosão, haviam dado o que tinham de dar. Uma pena. Antes disso, o café da Bocaina reinara por cerca de 100 anos como a salvação da lavoura – e também da economia nacional.
Não só o solo entrara em colapso, mas também o modo de produção, baseado na mão de obra escravizada. O café se mudara, resoluto, para as terras férteis do oeste paulista, onde ganhou trabalhadores especializados e escoamento mais rápido, por estradas de ferro. Em 1919, Monteiro Lobato, que morou em Areias, na Bocaina, publicou um livro de título sintomático: Cidades Mortas.
Hoje, esses lugares se transformaram em cidadezinhas pacatas, acolhedoras. Ótimas para mandar o estresse para longe, ainda mais no conforto de primeira classe do seu Mitsubishi. Bananal é a maior cidade delas. Tem 11 mil moradores. Seguem-se Silveiras (5.600), Areias e São José do Barreiro – ambas com 4 mil viventes. Já se vão longe os idos em que importavam modas de Paris, sedas da China e cristais da Boêmia. Nos tempos áureos, a região somava 82 fazendas cafeeiras. Acredite: Bananal tinha a maior receita de todo o território paulista, 35% superior à da provinciana capital.
O poder era tamanho que a região chegou a cunhar moeda própria. Quem mandou foi Domingos Moutinho, um dos chamados barões do café. Ele tinha tanto dinheiro que importou da Bélgica uma estação ferroviária moldada em aço. Fica no centro de Bananal e vale a visita. Algumas dessas raras moedas estão no curioso acervo da fazenda dos Coqueiros, de 1855, aberta à visitação.
Moutinho, no entanto, não era o fazendeiro mais rico da Bocaina. Tal posto cabia a Manuel Aguiar Valim, dono de cinco fazendas. Entre elas, a Resgate, também aberta a visitas, desde que agendadas. O luxo dos salões da sede, muito bem preservado, revela relíquias em pratarias da Christofle, de Paris. Nas paredes, afrescos do pintor espanhol José Maria Vilarongo mostram, entre outros detalhes, cafezais escalando uma caixa repleta de dinheiro vivo.
Aguiar Valim era o homem mais rico do Brasil antes de esse tipo de ranking virar moda. Chegou a avalizar um empréstimo do banco londrino Rothschild para o governo de Dom Pedro 2º. Ao morrer, em 1878, dez anos antes da Abolição da Escravatura – que tanto temia –, deixou o equivalente a 28% do caixa dos bancos comerciais brasileiros. Ele tinha 48 escravos que o serviam pessoalmente, incluindo sete costureiros – fora as centenas que se limitavam à lavoura.
O Solar Aguiar Valim, onde o magnata morou, no centro de Bananal, recentemente restaurado pelo IPHAN, é um passeio muito interessante. Mas para conhecer melhor o modo de vida dos poderosos de sua época, o melhor a fazer é hospedar-se nas fazendas centenárias transformadas em hotéis, usufruindo do ambiente da época e de um sossego valioso. Para melhorar, vários desses hotéis-fazendas alugam cavalos. É relaxante trotar por esses recantos sem trânsito.
Entre essas propriedades, vale lembrar que a São Francisco (de 1813) trai o nome: não é nada franciscana. Tem decoração caprichada, com peças art-nouveau, já do século 20, e um pequeno museu com preciosidades como partituras manuscritas pela compositora Chiquinha Gonzaga. A Vargem Grande (1837) é ainda mais refinada. Seus formidáveis jardins levam a assinatura de Roberto Burle Marx (1909-1994).
Infelizmente, nem todas as fazendas que hospedam guardaram o mobiliário. Embora ainda conte com a alameda de palmeiras imperiais, a Boa Vista (1780) manteve apenas os móveis do quarto em que o Duque de Caxias dormiu a caminho da Guerra do Paraguai (1864-1870). Mas oferece piscina e é ótima para hospedar crianças.
Outra das atrações da Bocaina são as cachoeiras. Entre as principais e mais próximas está a Cachoeira do Bracuí, em Bananal. É ainda mais fácil chegar à Cachoeira Santo Isidro. Fica perto da entrada do Parque Nacional e tem uma piscina natural gigante. Claro que não faltariam também trajetos off-road. Um dos mais indicados é o caminho “por cima da serra”, entre São José do Barreiro e Silveiras. Saindo do bairro Macacos encara-se um caminho de terra que, em dias secos, não exige tanto. Mas pode complicar um bocado quando chove. O solo fica muito escorregadio, entretanto, com calma e a bordo do seu Mitsubishi, pode apostar: você tem força e tecnologia para encarar esse desafio.
Um outro caminho leva à Reserva Natural da Pedra Redonda. É área particular. Portanto, exige agendamento. Do alto, a 1.800 metros, ao lado de um templo budista, oferece uma das mais lindas vistas da região. Também nas alturas, a 1.300 metros de altitude, ergue-se o Refúgio Vale dos Veados, única hospedagem dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina e que requer, para lá chegar, um Mitsubishi 4x4. O refúgio não tem luz elétrica, mas esbanja conforto. Só funciona quando reservada por grupos de até oito casais.
Também é preciso agendar para conhecer o Instituto José Resende, em São José do Barreiro, espécie de Inhotim local, mas com esculturas apenas do artista que lhe dá o nome.
Reservas são necessárias, idem, para almoçar no mais festejado restaurante da Bocaina, o Dona Licéia, da septuagenária cozinheira mineira Licéia Franklin de Oliveira. Fica dentro da Fazenda Caxambu, em Arapeí. A cozinha tropeira é o forte. Todos os ingredientes são retirados do quintal, dos patos e porcos às hortaliças. Um dos mais entusiasmados clientes é o empresário José Bonifácio de Oliveira, o Boni, atual dono da TV Vanguarda. Ele vem de helicóptero, a partir do Rio de Janeiro.
Boa cozinha regional também pode ser provada no restaurante do Ocílio, em Silveiras. Vá de arroz de pato e canjiquinha de milho. Tudo feito no fogão a lenha. Ocílio morreu há três anos. Mas seu sobrinho Matheus manteve a qualidade. Outra dica é o Rancho de São José do Barreiro, instalado num casarão de 1840. Autêntica comida caipira. Seu frango com quiabo ficou famoso. Há quem peça um dos pratos típicos da Bocaina: farofa de içá. Sim, içá é uma formiga.
Vale a pena visitar o Instituto José Resende (ijr.art.br) - Localizado em São José do Barreiro, espaço apresenta produção múltipla do artista e escultor paulistano – Rodovia dos Tropeiros, km 260, (11) 96377-1610.
Tour pela Fazenda Resgate (fazendaresgate.com.br) - Uma propriedade particular tombada pelo IPHAN e mantida por seu proprietário, trata-se de uma construção histórica representativa do período em que o Brasil se destacou como o maior produtor mundial de café e encontra-se em perfeito estado de conservação, fruto de trabalho e manutenção constantes.
Fazenda dos Coqueiros (fazendadoscoqueiros.com.br) - Construída em 1855, está localizada no Km 309 da Rodovia dos Tropeiros, (antiga Rio - São Paulo), distante 6 km de Bananal e 12 km de Arapeí. Além de visita guiada, oferece day use, onde os visitantes podem tomar banho no autêntico lavador de café que possui uma ducha de água de mina ou tomar banho de piscina. Há também trilhas que exploram o turismo pedagógico. Visita às plantações ou na Mata Atlântica. Visita ao lugar que enterravam os escravos ou na represa de onde vem toda a água da fazenda num canal de pedra feito pelos escravos.
Reserva Natural da Pedra Redonda (@reservapedraredonda) - Reserva particular voltada à preservação ambiental, ao ecoturismo, ao montanhismo e local de práticas budistas e retiros. Possui espaço para acampamento.
Fazenda São Francisco (fazendasaofrancisco.com.br) - A mais antiga de São José do Barreiro (1813). Com o intuito de preservar a edificação não há suítes. São 6 quartos convidativos com luz natural, ladeados por jardins, que compartilham 3 banheiros. Moveis de época e muita história. Banhos de ribeirão, passeios a cavalo, charrete, pescaria, bezerros mugindo, gansos grasnando, ducha ao ar livre, bom papo, bom leite, comida da roça, água na fonte, caminhadas, patos e marrecos espalhados no entorno formalizam os Prazeres Rurais.
Fazenda Vargem Grande (fazendavargemgrande.com.br) - Conheça de perto um autêntico casarão de 1837 e descubra um dos mais belos jardins criados e executados pelo paisagista Roberto Burle Marx. Você pode fazer isso de 3 maneiras diferentes: Hospedagem, Locação ou Visita.
Fazenda Boa Vista (hotelfazboavista.com.br) - Faça uma viagem ao passado, hospede-se dentro de um casarão do século XVIII. Além de toda a história, a fazenda possui piscinas (uma coberta), animais de pequeno porte, atividades ao ar livre, tais como: passeios de cavalo e charrete, tirolesa, arborismo, lago com pedalinho, quadra poliesportiva e uma equipe de recreação. Perfeito para levar crianças.
Pousada Encanto da Bocaina (encantodabocaina.com.br) - São apenas três chalés nas alturas. Só recebe casais, mas aceita hóspedes com cães. Os pets até ganham osso de boas-vindas.
Dona Licéia - Rodovia dos Tropeiros, km 21 (mais 4 km de estrada de terra). (12) 3115-1412.
Restaurante do Ocílio - Fazenda do Tropeiro, s/n, na cidade de Silveiras, (12) 3106-1103, restaurantedoocilio.com.br
Rancho São José do Barreiro – Praça Cel. Cunha Lara, 61, Centro, São José do Barreiro, (12) 3117-1317.
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